segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quo vadis, MAMAOT...

Desci a rua e entrei no portão da quinta toda murada.
Deveria ser importante, pelo aspeto majestático com que enfrentava a
Circunvalação por onde outrora circulavam importantes caravanas em direcção à
invicta e ao porto de Leixões.
Ali, na Senhora da hora, nessa tal quinta imponente, ficam
alguns serviços do ministério da agricultura, tais como licenciamentos, e
laboratórios.
Entrei e já nem parei no portão, pois já há muito sei que
não existe guarda, mas, a passo lento, acabei por mirar uma guarita abandonada,
cheio de mofo e de vidros partidos. Avancei em direcção ao laboratório de
solos, mesmo ao lado das oficinas, onde pacientemente aguardam por um “Godinho
qualquer”, 4L, Clios, Seat… com os pneus em baixo e as ervas a começar a
devorar a sua silhueta…
Bem, lá entrei no laboratório e entreguei o material para
ser analisado. Depois da ficha devidamente preenchida, pediram-me logo o
dinheiro correspondente a um serviço que ainda não houvera ter sido executado
(é que eu tenho cara de bandido, só por isso…) e, claro, como a importância era
avultada, já que eram muitas amostras, e não ia preparado com dinheiro vivo e
cheques já nem sei preenche-los dado não os usar há mais de uma década, saquei,
tal qual um pistoleiro no faroeste, do cartão de débito… Pois…
_ Não temos terminal, respondeu sorridentemente a pessoa que
me atendeu. Terá de levantar o dinheiro numa caixa multibanco que fica fora das
instalações…
Lá me explicou onde era e, a pé, já que o gasóleo está pela
hora da morte e naquela zona em questão arranjar lugares de estacionamento é
uma sorte que eu nunca almejei…, lá fui e, passados 10 minutos la estava eu em
frente a um máquina MB que, vejam só, estava em manutenção… Depois de mais 10
minutos de espera, porque em redor nada vislumbrei, e as tímidas perguntas aos
moradores obtinham respostas quase indiferentes que me apontavam em direcção ao
Norte Shopping ou ao Hospital de S. João (coisa para a pé demorar mais meia
hora para cada lado), lá levantei o graveto e em passo de corrida fugi,
literalmente, porque a zona não me agradava, para o interior das instalações do
ministério (onde diga-se, não sei se estaria mais seguro…)!
Após 5 minutos, pois agora a pressa de esvaziar o bolso era
latente, cheguei de novo ao laboratório com o dinheiro que coloquei em cima do
balcão.
_ Já cá estou! Disse eu.
_ Pois, mas agora vai ter de esperar. A senhora que trata
dos pagamentos não está, mas é só um bocadinho que eu vou ver se a encontro.
Foi perguntando.
_ Ò fulana, viste a Sicrana?
_ Ela ainda há bocadito estava aqui… mas para que é?
_ É que está aqui um Sr. Que quer pagar…
(Mentira, eu não queria pagar, eles é que me obrigaram…).
- Ah, pois não sei, ela não deve demorar!
Passava outra..
_Ò fulana, viste a Sicrana?
_ Ela ainda há bocadito estava aqui… mas para que é?
_ É que está aqui um Sr. Que quer pagar…
( E ela insiste na mentira…, eu não quero pagar…).

Bem, e depois de 10 minutos nesta total e stressante
palhaçada, a simpatiquíssima senhora que me atendeu disse-me:
_ Olhe, como a senhora da contabilidade não aparece, não se
importa de ir ali aquele edifício pagar noutra secção? Leva este papel e diga
que vai da minha parte e depois volta cá para mostrar o comprovativo do
pagamento… não se importa?
_ Importar até importa, mas tem de ser não é? Proferi eu!
_ É, pois… desculpe lá…
Bem, pés a caminho, mais 2 minutos e chegado à porta
perguntei a uma senhora que fumava deliciada o seu cigarrito…
- Desculpe, onde é a secretaria?
- Entre, siga o corredor e é na primeira à direita… mas para
que é?
- É para pagar umas análises de solos…
- Então pode ser lá…
- Obrigado!
Entrei e segui as indicações.
- Boa tarde! Disse eu.
- Boa tarde…
Silêncio total… alguns segundos depois…
- Desculpe… quero pagar…
- Só um bocadinho…., vai ter de esperar…
- Ok, obrigado…. Disse eu de forma tímida (sou muito tímido…)
Passados alguns minutos aparece uma senhora toda sorridente
e disse:
- Ora, o Sr. Quer pagar o quê?
Chiuuuuuuuuuu, não digam nada, mas esta senhora é a mesma
que estava na rua a fumar o cigarrito e me disse onde era a secretaria…
Depois de pagar, eu perguntei:
- Mas então no laboratório não se pode pagar?
- Pode, disse ela… mas não pagou lá porquê?
- Porque a Sr.ª que recebe e emite os documentos não estava…
_ Ah, disse ela, sabe, a senhora está quase a ir embora com
a reforma e deve andar pelos gabinetes a despedir-se do pessoal… sabe como é,
foram muitos anos…. Criou-se uma grande amizade…
_ Ah, vociferei eu com cara de sonso … pois acredito, e ela
não poderia despedir-se fora do horário de expediente…
- Mas assim já não apanhava cá ninguém…
Pois claro, como sou estúpido e ingénuo… tinha de ser mesmo
no horário de expediente… que burrinho que eu sou!
Bem, depois lá fui de novo levar o comprovativo ao
laboratório de solos.
A senhora ainda, antes de se despedir, fez publicidade e
promoção aos serviços dizendo que também faziam análises de água de rega…
_ Ok, disse eu, mas não volto cá mais… Boa tarde!
Virei costas e sai triste… muito triste, por ver que cada
dia que passa o nosso ministério caminha para o degredo de capital humano,
técnico e social… já não serve para coisa alguma e só se mantém porque ainda
teimam em acreditar que ele é útil!

5 comentários:

JMT disse...

A magia dos serviços públicos !!!
JMT

Graciete disse...

Existe também a "magia" do sector privado! Se a questão for a ausência do MB, o que me tenho deparado é que, neste sector, muitos serviços que o tinham, deixaram de o ter. Se a questão se coloca ao nível da simpatia com que sou acolhida no sector privado, tenho, relamente, muito má impressão deste secotor, em Portugal. Se falamos de eficiência e/ou tempo útil de prestação de serviços, não me parece que estejamos bem, diria mesmo, que estamos nada bem! Se é para fugir ao fisco, ah...não há melhor que se possa fugir, que não seja apenas e só, o sector privado!
Não me parece que todas as pessoas competentes, capazes, eficientes e simpáticas estejam todas a trabalhar no sector privado e que todos os restantes, os que restam, estejam no sector público!

Catarina Lourenço disse...

Jorge,
Texto belíssimo pela descrição. Gostei imenso.
Texto triste pelo resultado final... Sim, acredito que não queiras ir lá mais...
E sim, o nosso ministério está em falência, em quase todos os sítios... Mas, graças a Deus, ainda existem aqueles que querem e conseguem trabalhar, mesmo com condições de trabalho bastante deploráveis e que ainda, e apesar de também nadarem contra a corrente da crise que os arrasta para o abismo, AINDA ajudam os agricultores.

Beijinhos

PS - Como é que subscrevo os comentários??
PS2 - Porque raio tenho de provar que não sou um robot?? :P

Jorge Carvalho disse...

Grace, não vou estar com muitas delongas sobre a problemática do setor público vs privado!
Admiro o teu trabalho, sei que és competente e tb sei que defendes a tua Dama com unhas e dentes, mas, convido-te a reler com muita atenção o que eu escrevi... se reparares bem não me refiro a todo o serviço público, isto é, não generalizo porque ao fazê-lo sei bem que estou a ser injusto, mas também não me peças para ficar calado perante uma situação que não gostei, que acontece em mais sítios do que aqueles que tu podes pensar e que não abona nada a favor do srviço público nem de quem por lá anda a tentar fazer algo, como tu... mas, que há lá muitos incompetentes, não me digas que não, e esses ficam por lá o resto da vida e progridem até à reforma... no privado, ou não progridem ou no limite vão pra rua...
Incompetentes e antipáticos há em todo o lado, sim senhor... mas com isso posso eu bem, sabes porquê? Porque se não gostar escolho outro, como consumidor e utilizador dos serviços privados posso e e-me permitido fazer isso... será que também posso escolher poder trocar de serviço público?
Obrigado pelo comentário... aparece sempre que a tua presença torna este blog menos... aborrecido :-)
bjitos

A. Moura Rodrigues disse...

No setor púlico não há concorrência. No privado também não. Experimente mudar de fornecedor de água, de electricidade, de gaz, de combustível, de telecomunicações e até, pelo que se soube agora, os bancos praticaram, durante anos, a mesma taxa de juro ao credito ao consumo e habitação e nem passam fatura. É o privado que temos; a concorrência só existe nos livros americanos.

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